segunda-feira, 29 de novembro de 2010




Uma pressa, uma urgência. E uma compulsão horrível de quebrar imediatamente qualquer relação bonita que mal comece a acontecer... 


Destruir antes que cresça.

(Caio Fernando Abreu)

sábado, 27 de novembro de 2010

Fim.


Chega de reticências.
Ficar esperando.
Sofrendo.
Contando saudades.
Se o amor não é possível, o melhor é colocar um fim.

E ponto.

(Fernanda Mello)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Para um passarinho com medo de voar...


Ah, Passarinho, não precisa temer, você não está sozinho
Dispense as precauções, desarme seu coração.
A gente aprende a voar assim, juntinhos. 
Nós dois, saltando do ninho, mergunhando nessa imensidão azul.

E o caminho da volta, a gente descobre na hora de voltar...

domingo, 21 de novembro de 2010

Sou marinheiro


 Iria embora hoje mesmo. Pra algum lugar, não sei onde. Sempre tive uma alma exploradora e sedenta de liberdade. Navegar longe de portos seguros. Pegar os ventos da aventura em minhas velas. Eu posso retornar a terra firme, mas renuncio abrindo a janela do meu convés dia-a-dia. Quero beber de todas as águas que a vida me permitir. Experimentar, ousar, sonhar é viver. Tenho um par de asas e uma montanha de descobertas pra fazer a escalada. E sorte minha que vim ao mundo assim. Nasci marinheiro nesse mar de sentimentos.

"Um navio no porto está seguro, mas não foi pra isso que navios foram feitos..."
(Laís Angeiras)

sexta-feira, 12 de novembro de 2010


Isso não é homenagem àqueles que amam, 
Mas um luto aqueles que desmerecem corações...

(Deslucro)

sábado, 6 de novembro de 2010

Ritual





Aí está ele, o mar, o mais ininteligível das existências não humanas. E aqui está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fez um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornou-se o mais ininteligível dos seres vivos. Ela e o mar.

Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões.

Ela olha o mar, é o que se pode fazer. Ele só lhe é delimitado pela linha do horizonte, isto é, pela sua incapacidade humana de ver a curvatura da terra.

São seis horas da manhã. Só um cão livre hesita na praia, um cão negro. Por que é que um cão é tão livre? Porque ele é o mistério vivo que não se indaga. A mulher hesita porque vai entrar.

Seu corpo se consola com sua própria exigüidade em relação a vastidão do mar porque é a exigüidade do corpo que o permite manter-se quente e é essa exigüidade que a torna livre gente, com sua parte de liberdade de cão nas areias. Esse corpo entrará no ilimitado frio que sem raiva ruge no silêncio das seis horas. A mulher não está sabendo: mas está cumprindo uma coragem. 

Com a praia vazia nessa hora da manhã, ela não tem o exemplo de outros humanos que transformam a entrada no mar em simples jogo leviano de viver. Ela está sozinha. O mar salgado não é sozinho porque é salgado e grande, e isso é uma realização. Nessa hora ela se conhece menos ainda do que conhece o mar. Sua coragem é a de, não se conhecendo, no entanto prosseguir. É fatal não se conhecer, e não se conhecer exige coragem.

Vai entrando. A água salgada é de um frio que lhe arrepia em ritual as pernas. Mas uma alegria fatal - a alegria é uma fatalidade - já a tomou, embora nem lhe ocorrera sorrir. Pelo contrário, está muito séria. O cheiro é de uma maresia tonteante que a desperta de seus mais adormecidos sonos seculares. E agora ela está alerta, mesmo sem pensar, como um caçador está alerta, mesmo sem pensar. A mulher é agora uma compacta e uma leve e uma aguda - e abre caminho na gelidez que, líquida, se opõe a ela, e no entanto a deixa entrar, como no amor em que a oposição pode ser um pedido.

O caminho lento aumenta a coragem secreta. E de repente ela se deixa cobrir pela primeira onda. O sal, o iodo, tudo líquido, deixam-na por uns instantes cega, toda escorrendo - espantada de pé, fertilizada.

Agora o frio se transformou em frígido. Avançando, ela abre o mar pelo meio. Já não precisa da coragem, agora já é antiga no ritual. Abaixa a cabeça dentro do brilho do mar e retira uma cabeleira que sai escorrendo toda sobre os olhos salgados que ardem. Brinca com a mão na água, pausada, os cabelos ao sol quase imediatamente já estão endurecendo de sal. Com a concha das mãos faz o que sempre fez no mar, e com altivez dos que nunca darão explicação nem a eles mesmos: com a concha das mãos cheia de água, bebe em goles grandes, bons.

E era isso o que estava lhe faltando: o mar por dentro como o líquido espesso de um homem. Agora está toda igual a si mesma. A garganta alimentada se constringe com o sal, os olhos avermelham-se pelo sal secado pelo sol, as ondas suaves lhe batem e voltam pois ela é um anteparo compacto. Mergulha de novo, de novo bebe mais água, agora sem sofreguidão pois não precisa mais. 

Ela é a amante que sabe que terá tudo de novo. O sol se abre mais e arrepia-a ao secá-la, ela mergulha de novo: está cada vez menos sôfrega e menos aguda. Agora sabe o que quer. Quer ficar de pé parada no mar. Assim fica pois. Como contra os costados de um navio, a água bate, volta, bate. A mulher não recebe transmissões. Não precisa de comunicação.

Depois caminha dentro da água de volta à praia. Não está caminhando sobre as águas - ah, nunca faria isso depois que há milênios já andaram sobre as águas - mas ninguém lhe tira isso: caminhar dentro das águas. Às vezes o mar lhe impõe resistência puxando-a com força para trás, mas então a proa da mulher avança um pouco mais dura e áspera.

E agora pisa na areia. Sabe que está brilhando de água, e sal e sol. Mesmo que o esqueça daqui a uns minutos, nunca poderá perder tudo isso. E sabe de algum modo obscuro que seus cabelos escorridos são de náufrago. Porque sabe - sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano...

(Clarice Lispector, in Felicidade Clandestina)

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Previsão...



A previsão é que o dia caia repentinamente sobre o mar e que a noite chegue na hora mais perfumada do meu corpo: naquele momento em que tudo em mim é a certeza de um sorriso seu colado ao meu rosto e que tudo em você é a certeza do meu mais definitivo e sonoro sim! A previsão é que tenhamos no amor essa certeza: de um abrigo de paz, desse aconchego sem fim...

(Marla de Queiroz)