segunda-feira, 30 de agosto de 2010

"Eu tive que ficar quieta no meu canto...


...toda lacerada pela falta. Foi um período solitário em que vivi o luto necessário. Ele nem desconfiou que eu também estava triste, talvez se sentisse melhor se soubesse. Mas eu tinha que fazer valer minha palavra, demorei muito tempo tomando coragem. Demorei muito tempo desparafusando aquela gaiola e, depois, reaprendendo a voar. 
Tive ímpetos de escrever uma carta falando das qualidades dele, de tudo que havia me feito crescer. Mas quando fui escrever só consegui dizer: desculpe, não se pode negociar com a paixão. Porque eu também não entendo às vezes esses caminhos que a vida tece. E nós que morávamos um no outro, ficamos sem casa.  Perdoe a falta de abrigo, é que agora eu moro no caminho."
(Marla de Queiroz)





sábado, 21 de agosto de 2010

Das coisas da vida...

O que foi vivido mudará.
O que não foi vivido perturbará.
Todo adeus será covarde.

(Fabrício Carpinejar)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Das asas de dentro...

Que importa a rota?
Voa e canta,
Enquanto resistirem as asas.


(Menoquia del Pichia)

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

"Pra abraçar o universo é necessário ter os braços vazios"


"Houve um momento em que o aperto foi tão extremo e aflitivo que eu imaginei não conseguir suportar. Eu nem sabia que, exatamente naquele ponto, a natureza tecia asas para mim, em silêncio, mas foi lá que senti que eu era feita também para voar. O aperto, entendi somente depois, era uma espécie de morte, um prenúncio da transformação, uma ponte que me levaria a outro modo de ser."
(Ana Jácomo)

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

domingo, 15 de agosto de 2010

Do bem-querer...



Roubou uma flor do canteiro do vizinho e continuou trocando os passos. Se o amanhã chegar e não trazer o que meus sonhos imaginam, mal-me-quer, ainda assim continuarei a busca dos meus desejos, bem-me-quer, e se o coração apertar com a angustia dos que pensam em desistir, mal-me-quer, fecharei os olhos e lembrarei da lua que um dia você me deu, bem-me-quer, se eu virar para os lados e não te enxergar, mal-me-quer, olharei para frente e focarei na minha subida, bem-me-quer. E olha só, “eu sou aquela que fez a escalada da vida recolhendo pedras e plantando flores...”

E saiu arrancando as pétalas que restavam, sentindo-se mais forte que nunca...

(Laís Angeiras)

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Solar

 
"(...) Também planta girassóis e se alguém lhe perguntasse por que, certamente explicaria, sacudindo as muitas pulseiras de ouro, que é nativa-do-signo-de-Leão-e-os-leoninos-precisam-do-sol-em-todas-as-suas-forças."

(Caio Fernando Abreu)

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

É preciso coragem...

 Uma coragem danada.
Muita coragem é o que eu preciso.
Sinto-me tão desamparada, preciso tanto de proteção…
Porque parece que sou portadora de uma coisa muito pesada. 
Sei lá...

(Clarice Lispector)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

— Tá fresquinho — ela serviu o café.


— Agora só consigo dormir depois de tomar café.
— A senhora não devia. Café tira o sono.
Ela sacudiu os ombros:
— Dane-se. Comigo sempre foi tudo ao contrário.

(Caio Fernando Abreu)

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Há muito tempo me perdoei...

 
 
Me aceito impura, me gosto com pecados, e há muito me perdoei. Meu mundo se resume a palavras que me perfuram, a canções que me comovem, a paixões que já nem lembro, a perguntas sem respostas, a respostas que não me servem, à constante perseguição do que ainda não sei. Meu mundo se resume ao encontro do que é terra e fogo dentro de mim, onde não me enxergo, mas me sinto.  
 
Minto, tenho tudo a ver com explosões.
 
(Martha Medeiros)
 

sábado, 7 de agosto de 2010

— Bom dia, disse a raposa...



— Bom dia, respondeu polidamente o principezinho, que se voltou, mas não viu nada.

(...)

— Vem brincar comigo, propôs o principezinho. Estou tão triste...
— Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.
— Ah! desculpa, disse o principezinho.
Após uma reflexão, acrescentou:
— Que quer dizer "cativar"?

(...)

— É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa "criar laços".
— Criar laços?
— Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...

(...)

— Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...
A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe:
— Por favor... cativa-me disse ela.

(...)

— A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!
— Que é preciso fazer? perguntou o principezinho.
— É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto...
No dia seguinte o principezinho voltou.
— Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração... É preciso ritos.

(...)

Assim o principezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:
— Ah ! Eu vou chorar.
— A culpa é tua, disse o principezinho, eu não te queria fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse ...
— Quis, disse a raposa.
— Mas tu vais chorar ! disse o principezinho.
— Vou, disse a raposa.
— Então, não sais lucrando nada !
— Eu lucro, disse a raposa, por causa da cor do trigo.

(...)

— Adeus, disse ele...
— Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.
— O essencial é invisível para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
— Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante.
— Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
— Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa...
— Eu sou responsável pela minha rosa... repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

"(...) Deixa eu pintar o meu nariz..."


Prometeu a si mesma:
Não me caberá mais nenhum drama. Só terei esperanças e perspectivas.
Quando algo ensaiar doer, sentirei sono porque acordo cedo no dia seguinte.
Quando um amor ameaçar acabar, lavarei a louça enquanto espero a champagne gelar.
Sempre haverá essa espera por finais:
De semana, de campeonatos, de novelas.
Tudo será esperança de um final eterno desse drama.

(E seguiu comendo os louros que deveria apenas colher...)

(Marla de Queiroz)

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Dos mares internos...

 
Eu estava parado no patamar da escada quando ele me disse:
— Tenho sete formas. Navegue.
Abraçou-me. Tinha cheiro de mar. Do mar que não há nesta cidade.
Pedi que ficasse.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Ela era cais de doces mistérios...



Enquanto caminhava, chutando levemente a água do mar que lambia suas pernas, pensava como era bom sentir a brisa da liberdade beijando seu rosto, assanhando seus cabelos. Havia escapado - com muito esforço, deveras - daquele enlace claustrofóbico que vivia anteriormente. Malditas pessoas monótonas, maldita rotina de merda. Sempre tivera vontade de conhecer as vias de fato. Agora – enfim! – seus passos tinham a pura autonomia que sempre sonhara. 

Ela se regia. Fazia de todos os dias uma descoberta dela mesma. Plantava flores dentro de si. Amontoava experiências, conhecia novas sensações. Perdia-se no seu copo, e se encontrava mais tarde no abraço alheio. Por puro prazer, se dava ao luxo de fingir que toda aquela liberdade a sufocava, só para elevar seu ego vezenquando, mas ela queria mais daquela maluquice.

De fato, não tinha medo. Enchia os pulmões de ar e agora reconhecia o seu direito de voz, e dele fazia uso. FODAM-SE. Repetia para se sentir mais leve. Não havia nascido para agradar ninguém – em todo o sentindo amplo que a palavra ninguém pode ter. Era sim egoísta, mas não tinha vergonha de ser assim. Aliás, não tinha vergonha de admitir qualquer sentimento preso dentro de seu emaranhado de poesias internas. Reconhecia que não há domínio sobre o que se sente, e sendo assim, que deixemos que os sentimentos floresçam e falem por nós.

Sabia que não seria assim pra sempre, que as pessoas se perderiam, que as situações mudariam, e talvez até ela mesma, como é natural, mas fazia disso um motivo a mais para agarrar a vida com unhas e dentes. Sugava de tudo que a ela fosse oferecido. Tinha sede de viver, de uma forma tal que a ela sempre havia sido negada. E assim, o tictaquear do relógio não era em vão. A certeza de que o segundo passado havia sido da melhor forma desfrutado vinha em seguida, com o próximo.

Pensava todos os dias que não existia coisa melhor que viver. Não como os bastardos de meia no pé esperando a hora de mamãe-ir-pra-cama, mas da forma mais visceral possível. Sentir. Essa era essa a sua vocação. E sorte sua que tinha vindo ao mundo assim. Frequentemente seu beija-flor interno sugava o néctar de suas flores, a deixando mais doce. Tinha requintes de delicadeza que nenhuma outra pessoa poderia ter. Piscava os cílios de uma forma que o êxtase quase fazia flutuar quem a via. Possuía um sorriso de céu e olhos de mar. contraditoriamente notava-se que no fundo havia algo que era uma marca. Um passado, talvez um molejo de dor. Uma tristeza por se entender sozinha...

Ela fugia a qualquer descrição que alguém a pudesse impor. Por mais que a estudassem, estava sempre além de qualquer entendimento ou suposição. Ela era imprevisível, contraditória, intensa como um rio que deságua incessantemente no mar. De uma diferença absurda. Aliás, sua descrição era esta: diferente. Possuía a doce loucura dos que vivem, de fato.

Bebia a vida em goles grandes, sem gelo, no estilo cowboy, nua e crua. E Era isso que estava lhe faltando: um universo inteiro por explorar. Um mar de possibilidades tão suas. Havia encontrado após tanto navegar. Velejou por tantos portos que sua memória chegava a falhar, mas conseguiu ancorar. Escolhera aquele menos seguro, mais real. Tinha a convicção de que só assim poderia começar a busca pela sua felicidade. E agradeceu por não ter perdido a esperança quando seu barco estava furado e quase naufragou. Agradeceu por não ter parado de remar e ter tido forças para beirar a praia, avistar naquela terra ao longe, a tão sonhada esperança.

Já havia escurecido e, perdida em seus pensamentos, ela nem havia sequer notado. Olhando o horizonte viu ao leste uma ave passando sorrateiramente, patinando pelas águas, mergulhando e voando novamente. Foi invadida de súbito por uma inveja boa. Não havia motivos pra pensar. Pensamentos são para aqueles que se negam, que se privam. Ela ousava, ela sonhava. Ela vivia a mercê do agora, do momento-já. Jogou seu par de sapatos de lado, despiu-se de seu vestido e fez menção de entrar no mar. Deu meia volta, não porque havia desistido, mas porque queria mais. Nada de pouco quando o mundo era seu. Nada de conta-gotas. Apenas extremos, intensos. Afinal, o que não é feito com toda a intensidade da loucura do coração não merece entrar para a sua história. Sem pudor algum tirou sua calcinha e logo após seu sutiã, e os sacudiu na areia, deixando a mostra seus seios rosados. Abriu um sorriso de esgueira no canto da boca e foi em busca do que seu coração pedia. Sentiu-se flutuar, e nesse momento não era mais a mesma, não habitava seu corpo. Sua alma planava em outro cosmo, outro planeta, outra estrela: a do impossível.

E entrou no mar correndo, como quem procura por água no deserto, o coração em pura efervescência, e ao mergulhar, encontrou ali o que queria: o universo dos prazeres.


(Laís Angeiras)