terça-feira, 27 de abril de 2010

De Caio, para Hilda, sobre Clarice.



Hildinha, a carta para você já estava escrita, mas aconteceu agora de noite um negócio tão genial que vou escrever mais um pouco. Depois que escrevi para você fui ler o jornal de hoje: havia uma notícia dizendo que Clarice Lispector estaria autografando seus livros numa televisão, à noite. Jantei e saí ventando. Cheguei lá timidíssimo, lógico. Vi uma mulher linda e estranhíssima num canto, toda de preto, com um clima de tristeza e santidade ao mesmo tempo, absolutamente incrível. Era ela. Me aproximei, dei os livros para ela autografar e entreguei o meu Inventário. Ia saindo quando um dos escritores vagamente bichona que paparicava em torno dela inventou de me conhecer e apresentar. Ela sorriu novamente e eu fiquei por ali olhando. De repente fiquei supernervoso e sai para o corredor. Ia indo embora quando (veja que GLÓRIA) ela saiu na porta e me chamou: — “Fica comigo.” Fiquei. Conversamos um pouco. De repente ela me olhou e disse que me achava muito bonito, parecido com Cristo. Tive 33 orgasmos consecutivos. Depois falamos sobre Nélida (que está nos States) e você. Falei que havia recebido teu livro hoje, e ela disse que tinha muita vontade de ler, porque a Nélida havia falado entusiasticamente sobre o Lázaro. Aí, como eu tinha aquele outro exemplar que você me mandou na bolsa, resolvi dar a ela. Disse que vai ler com carinho. Por fim me deu o endereço e telefone dela no Rio, pedindo que eu a procurasse agora quando for. Sai de lá meio bobo com tudo, ainda estou numa espécie de transe, acho que nem vou conseguir dormir. Ela é demais estranha. Sua mão direita está toda queimada, ficaram apenas dois pedaços do médio e do indicador, os outros não têm unhas. Uma coisa dolorosa. Tem manchas de queimadura por todo o corpo, menos no rosto, onde fez plástica. Perdeu todo o cabelo no incêndio: usa uma peruca de um loiro escuro. Ela é exatamente como os seus livros: transmite uma sensação estranha, de uma sabedoria e uma amargura impressionantes. É lenta e quase não fala. Tem olhos hipnóticos, quase diabólicos. E a gente sente que ela não espera mais nada de nada nem de ninguém, que está absolutamente sozinha e numa altura tal que ninguém jamais conseguiria alcançá-la. Muita gente deve achá-la antipaticíssima, mas eu achei linda, profunda, estranha, perigosa. É impossível sentir-se à vontade perto dela, não porque sua presença sej a desagradável, mas porque a gente pressente que ela está sempre sabendo exatamente o que se passa ao seu redor. Talvez eu esteja fantasiando, sei lá. Mas a impressão foi fortíssima, nunca ninguém tinha me perturbado tanto. Acho que mesmo que ela não fosse Clarice Lispector eu sentiria a mesma coisa. Por incrível que pareça, voltei de lá com febre e taquicardia. Vê que estranho. Sinto que as coisas vão mudar radicalmente para mim — teu livro e Clarice Lispector num mesmo dia são, fora de dúvida, um presságio. Fico por aqui, já é muito tarde. Um grande beijo do teu Caio.


De Caio Fernando Abreu
Para Hilda Hilst
Sobre Clarice Lispector.

domingo, 25 de abril de 2010

E foi assim que aconteceu...



"Você vai me abandonar e eu nada posso fazer para impedir. Você é meu único laço, cordão umbilical, ponte entre o aqui de dentro e o lá de fora. Te vejo perdendo-se todos os dias entre essas coisas vivas onde não estou. Tenho medo de, dia após dia, cada vez mais não estar no que você vê. E tanto tempo terá passado, depois, que tudo se tornará cotidiano e a minha ausência não terá nenhuma importância. Serei apenas memória, alívio, enquanto agora sou uma planta carnívora exigindo a cada dia uma gota de sangue para manter-se viva. Você rasga devagar o seu pulso com as unhas para que eu possa beber. Mas um dia será demasiado esforço, excessiva dor, e você esquecerá como se esquece um compromisso sem muita importância. Uma fruta mordida apodrecendo em silêncio no quarto."

domingo, 18 de abril de 2010

Como fênix...



Elevei as mãos cabeça, como alguém gravemente preocupada e me afundei nos meus próprios pensamentos.

Por um momento fui consumida por todas aquelas dúvidas e receios. Afinal, não somos tão mais jovens assim, as tubulações evaporaram nossos sonhos. Rasgaram nossos nervos.

Me deixaram completamente nua de você!

Antes, quem me via por aí, na fila do banco ou na padaria de manhã sabia que existia você em mim e eu em você.

Hoje, meu bem, [pausa para um riso sem graça] estamos assim. Você distante e eu com o meu café sem gosto, frio e estragado.

[A cada folha que cai no chão, tão certa que um dia iria cair, a árvore nem se comove mais.]

Enchi meus pulmões de ar, olhei para você como os mesmos olhos de quando eu te descobri dentro de mim e lembrei que “tens de guardar dia a dia, mesmo doendo, o amor no teu coração”.

E naquela manhã, das cinzas fez-se o amor, outra vez.

sábado, 17 de abril de 2010

Das saudades...


Veja bem, meu bem
Sinto te informar que arranjei alguém
pra me confortar.
Este alguém está quando você sai
E eu só posso crer, pois sem ter você
nestes braços tais.

Veja bem, amor.
Onde está você?
Somos no papel, mas não no viver.
Viajar sem mim, me deixar assim.
Tive que arranjar alguém pra passar os dias ruins.

Enquanto isso, navegando vou sem paz.
Sem ter um porto, quase morto, sem um cais.

E eu nunca vou te esquecer amor,
Mas a solidão deixa o coração neste leva e traz.

Veja bem além destes fatos vis.
Saiba, traições são bem mais sutis.
Se eu te troquei não foi por maldade.
Amor, veja bem, arranjei alguém
chamado "Saudade".



Entenda: "Eu queria que não fosse assim, que não tivesse sido assim. Mas não consegui evitar. A semente recusava-se a vir à tona, eu nem sempre tinha tempo ou vontade de rega-la, e não chovia mais - foi isso que aconteceu."

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Dos desejos...



"Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu. "


"Ando meio fatigado de procuras inúteis e sedes afetivas insaciáveis."

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Das carências...


"Preciso de alguém, e é tão urgente o que digo. Perdoem excessivas, obscenas carências, pieguices, subjetivismos, mas preciso tanto e tanto. Perdoem a bandeira desfraldada, mas é assim que as coisas são-estão dentro-fora de mim: secas. Tão só nesta hora tardia - eu, patético detrito pós-moderno com resquícios de Werther e farrapos de versos de Jim Morrison, Abaporu heavy-metal -, só sei falar dessas ausências que ressecam as palmas das mãos de carícias não dadas."


Solitárias mulheres cultas. Pois é, inteligência é afrodisíaco em outro canto!


"Amor é falta de QI, tenho cada vez mais certeza."

terça-feira, 13 de abril de 2010

Das esperanças e dos medos.



Porque pessoas como eu precisam ir até o fim, nem que seja pra confirmar a derrota, o sofrimento. Gente como eu tenta ignorar aquela frase de praxe: "Esperança é a última que morre." Nós temos medo. E se cada sofrimento que você passa não for recompensado no futuro? E se de fato seu destino seja esse martírio em terra? Pra que se iludir com um futuro feliz? Mas ela é a única coisa que te resta! Maldita esperança! Você não tem amigos, você não tem um amor, e seu deus te esqueceu há muito. Sua fé fugiu sabe-se lá para onde, e sua alma se perdeu. Você está só. Sozinho com essa esperança que não quer morrer, mesmo sendo só aquele fiozinho que sustenta. Se não fosse ela, você já teria desistido. Desistir? Não, não! Você diz e repite sempre, todos os dias, todas as horas: Eu vou até o fim! Ao lado dessa sua esperança farjuta. Com esse querer e esse medo. Porque pessoas como eu precisam ir até o fim, só pra ver como a tragédia termina.


"E pra te danar, nada mais dá certo. E pra te arrasar os falsos amigos chegam. E pra piorar, quem te governa não presta. E pra se ajudar, você faz promessas. E pra piorar até o papa te esquece. E pra te arrasar, só o inferno te aceita. Declare guerra a quem finge te amar. A vida anda ruim na aldeia. Chega de passar a mão na cabeça de quem te sacaneia."

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Das vontades...



"Frágil – você tem tanta vontade de chorar, tanta vontade de ir embora. Para que o protejam, para que sintam falta. Tanta vontade de viajar para bem longe, romper todos os laços, sem deixar endereço. Um dia mandará um cartão-postal de algum lugar improvável. Bali, Madagascar, Sumatra. Escreverá: penso em você. Deve ser bonito, mesmo melancólico, alguém que se foi pensar em você num lugar improvável como esse. Você se comove com o que não acontece, você sente frio e medo. Parado atrás da vidraça, olhando a chuva que, aos poucos começa a passar."


Não importa onde quer que você vá pra fugir da sua dor, de nada adiantará se ela estiver dentro de você.
"Could run like a late rabbit and I wouldn't move one bit."

quinta-feira, 8 de abril de 2010

"Que seja doce..."



"Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim, que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia; repito sete vezes para dar sorte: que seja doce, que seja doce, que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se fosse nada."

terça-feira, 6 de abril de 2010

Sobra tanta falta...


Falta tanta coisa na minha janela
Como uma praia
Falta tanta coisa na memória
Como o rosto dela
Falta tanto tempo no relógio
Quanto uma semana
Sobra tanta falta de paciência
Que me desespero
Sobram tantas meias-verdades
Que guardo pra mim mesmo
Sobram tantos medos
Que nem me protejo mais
Sobra tanto espaço
Dentro do abraço
Falta tanta coisa pra dizer
Que nunca consigo

Sei lá,
Se o que me deu foi dado
Sei lá,
Se o que me deu já é meu
Sei lá,
Se o que me deu foi dado ou se é seu

Sei lá... sei lá... sei lá...
Se o que deu é meu...

Vai saber,
Se o que me deu , quem sabe?
Vai saber,
Quem souber me salve
Vai saber,
O que me deu, quem sabe?

Vai saber,
Quem souber me salve...




Sobra tanta falta, tanta ausência, o abraço vazio. Sobra tanta carência, tantos medos, tantos desejos, tantas lembranças. Ai, como sobra! Sobra esse amor que nunca finda. Sobra essa tortura no meu peito, vontade de quase explodir... Explodir por não conseguir conter esse redemoinho de sentimentos em um só coração, em uma só pessoa. Sobra essa sensação de impotência, porque afinal, o que EU posso fazer além de calar, além de esperar, continuar, respirar... Sobra essa dúvida aqui dentro. Sobra tanta coisa, e nesse irônico contraste, falta o meu único anseio. Me sobra tudo, e me falta tudo ao mesmo tempo. E afinal, por quanto tempo isso vai durar? Eu sei, eu já me conformei... Talvez de fato nunca passe. Talvez seja esse o meu martírio em vida. Talvez o maior dos meus medos seja verdade, e meu destino seja ficar sozinha. Mas eu irei ser firme, irei remar até o fim, mesmo exausta. Não vou desistir, não vou me render. Quando o desejo de encontrar o lugar mais escurinho entre o travesseiro e o pescoço dele aparecer, eu respirarei fundo, e continuarei. Quando o gosto da mordida de súbito me perturbar, eu continuarei remando. Quando a vontade e a falta de ter alguém pra quem voltar for tamanha, eu ainda assim não desistirei. Está decidido, está decidido! Eu vou até o fim! E isso é o melhor que eu posso oferecer, tanto pra você quanto pra mim.

"De que me adianta tanta mobília, se você não está comigo?"


domingo, 4 de abril de 2010

"Vai passar..."



"Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada “impulso vital”. Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como “estou contente outra vez”. Ou simplesmente “continuo”, porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como “sempre” ou “nunca”. Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como “não resistirei” por outras mais mansas, como “sei que vai passar”. Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência. Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de “uma ausência”. E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços. Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça. Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa. Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim: - … mastiga a ameixa frouxa. Mastiga , mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca."


Esta é especial para duas pessoas, e pra mim também. Afinal, muitas vezes dizemos coisas para nós mesmos. Enfim... Do que eu sei é que: a dor acostumada pode até passar despercebida.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

"Remar. Re-amar. Amar."


"Eu entro nesse barco, é só me pedir. Nem precisa de jeito certo, só dizer e eu vou (...). Eu abandono tudo, história, passado, cicatrizes. Mudo o visual, deixo o cabelo crescer, começo a comer direito, vou todo dia pra academia (...). Mas você tem que remar também. Eu desisto fácil, você sabe. E talvez essa viagem não dure mais do que alguns minutos, mas eu entro nesse barco, é só me pedir. Perco o medo de dirigir só pra atravessar o mundo pra te ver todo dia. Mas você tem que me prometer que vai remar junto comigo. Mesmo se esse barco estiver furado eu vou, basta me pedir. Mas a gente tem que afundar junto e descobrir que é possível nadar junto. Eu te ensino a nadar, juro! Mas você tem que me prometer que vai tentar, que vai se esforçar, que vai remar enquanto for preciso, enquanto tiver forças! Você tem que me prometer que essa viagem não vai ser a toa, que vale a pena. Que por você vale a pena. Que por nós vale a pena. Remar. Re-amar. Amar"


Ó, dias malditos em que se daria tudo pra ouvir isso... Por favor, vai embora. Vai embora e deixa meu coração descançar, bater em paz.